segunda-feira, 17 de outubro de 2016

CTI: uma experiência ruim

CTI - UMA EXPERIÊNCIA RUIM ©


Um mal-estar súbito. Calafrios, fraqueza muscular, tremores difusos, sem controle. Deixa-se de ser dono de si mesmo neste instante, quando o corpo diverge do que se pode querer com a razão e o coração. Quando o corpo não obedece mais e se desvia do padrão de normalidade a que se está acostumado.

Vem a internação. Um hospital - da melhor qualidade, escolhido a dedo pelos familiares - onde se deve permanecer até que o médico dê a ordem da alta. Mas, é um lugar frio, impessoal, sem cores, sem quadros nas paredes, sem vida (sem vida para salvar vidas, não se compreende muito bem).

No apartamento ainda os familiares, os pertences pessoais, a vontade sendo satisfeita na medida do possível e dentro das ordens médicas, as visitas e os telefonemas. Ainda se ouve risos, vozes, conversas.

Instabilidade no quadro clínico, completa perda de poder sobre o corpo e sobre a vontade. Respostas não esperadas do corpo, do orgânico, da hemodinâmica. Toda a parafernália à disposição: tubos, oxigênio, soro, e até uma campainha para chamar a enfermagem.

Não é o bastante. Carece-se de uma atenção mais intensiva. Transferência para o Centro de Tratamento Intensivo - CTI. Passa-se a ter uma atenção mais dolorida neste momento. Dói estar só. Dói estar longe da família e dos amigos. Dói estar sem referência, sem nenhum pertence que poderia identificá-lo. Dói para o paciente e para sua família.

O paciente lá dentro, completamente protegido dos vírus, das bactérias, dos vermes, das contaminações diversas. Protegido, também, do carinho, do amor. Colocado em uma redoma fria e monótona, distante do mundo caloroso dos contatos humanos.

A família do lado de fora, a chorar (sem saber que o paciente lá dentro também chora e chora sozinho) imaginando a dor do doente e sentindo a sua própria dor.

São dores. Dores surdas, que ecoam na alma e se expressam nas lágrimas, nos batimentos cardíacos, na pulsação da tristeza. Que se fazem notar nos olhos caídos, no olhar baixo, na redução do tônus muscular.

Não. Não pode ser aquele lugar um lugar apropriado. Não pode ser aquele lugar um lugar que restaura a vontade de viver. Talvez seja apenas um lugar que sirva para aproximar a pessoa doente de Deus, porque só Ele pode permanecer ali, junto e de mãos dadas todo o tempo, a velar em silêncio o sono induzido de quem sofre.

Susana Alamy
Psicóloga Clínica e Hospitalar
psicologiahospitalar.net.br


Copyright © Susana Alamy. Todos os direitos reservados. Este texto é protegido por leis de Direitos Autorais (copyright) e Tratados Internacionais. É permitida sua reprodução desde que citada a fonte: Alamy, Susana: Ensaios de Psicologia Hospitalar: a ausculta da alma. BH, s.ed., 2007.

E-mail para contato: alamysusana@gmail.com

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4 comentários:

  1. Texto maravilhoso e verdadeiro!! São dores absurdas para quem está dentro e quem está fora..que possamos ser portadores de paz, de aceitação e bem estar dessa aproximação com Deus, no âmbito da psicologia. Que saibamos cada vez mais o valor da empatia e congruência em todos os momentos. Parabéns pelo trabalho brilhante Professora querida.

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  2. Obrigada, querida Larissa! Fico contente que tenha gostado do texto. Minha pretensão é sempre ajudar as pessoas, sejam elas os pacientes, os familiares ou os profissionais que lidam com eles. Beijo grande.

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  3. Amei seu texto. As situações vivenciadas pelo paciente na solidão, incertezas e as dores da alma, dentro de uma UTI; repercutem também no âmbito intra hospitalar e familiar. As marcas psíquicas são instaladas e precisam do atendimento psicológico tanto para pacientes como para familiares em questão.
    Fiz especialização em Psicologia Hospitalar e tenho o seu livro de Psicologia Hospitalar: a ausculta da alma.
    Essa área da Psicologia é maravilhosa. Você é surpreendente e maravilhosa em seus escritos e nas sábias pontuações inerentes às questões do adoecer. Parabéns, querida! Abraços

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